segunda-feira, setembro 11, 2006
Um cliché do 11 de Setembro

É comum repetir-se, não sei se por ligeireza de raciocínio, se por mimetismo social ou se por muleta de linguagem histórica, que o mundo mudou com os acontecimentos do 11 de Setembro. Afinal, o que mudou foi assim tão significativo?

É verdade que as companhias aéreas e as entidades aeroportuárias alteraram protocolos e reforçaram mecanismos de segurança. No plano político, os Estados serviram-se desses acontecimentos para restringir certas liberdades, negligenciar direitos conquistados a pulso, lançando uma cruzada global denominada de «guerra ao terrorismo», e que encontram referências nos voos da CIA e na prisão secreta de Guantánamo.

Mas será que o 11 de Setembro mudou mais o mundo que a tragédia do Ruanda, o desastre humanitário na região do Darfur, a calamidade da Sida e da malária que todos os anos vitimam em silêncio milhões de pessoas?

A economia, ao contrário do que fabricou a opinião publicada, não mudou. Os efeitos da alta do petróleo – e por diversas razões que não o 11 de Setembro - são francamente superiores aos danos causados pelo 11 de Setembro.

Em matéria religiosa, o debate pode ter crescido quantitativamente, mas numa escala de qualidade inferior, tal é a ignorância dos dois lados. O Ocidente insiste em meter todo o Islão no mesmo saco, incapaz que é sequer de distinguir um xiita de um sinita. Os Muçulmanos valoram como único o seu modo de vida, que a razão é deles e só a visão deles deve imperar. Como se vê, o ódio, a intolerância, a ignorância e a distância entre Cristãos e Muçulmanos é a mesma antes e depois do 11 de Setembro.

No plano político-militar, o que há de diferente a assinalar? Apenas que o Iraque e o Afeganistão deixarem de estar reféns ora de Sadddam Hussein ora de talibãs para passarem a ser dominados por líderes de uma estratégia perversa e inconsequente?

Além das guerras no Iraque e no Afeganistão, alguma coisa mais mudou?
Talvez nos tenhamos tornado cidadãos mais atentos, mais receosos quando entramos num avião. Já não podemos pensar que o azar apenas acontece aos outros.

No entanto, o mundo hoje não está mais pacífico nem mais seguro. O mundo de 12 de Setembro é praticamente idêntico ao mundo do 10 de Setembro. Poucas diferenças encontro. A humanidade continua a ser a mesma. O planeta teria certamente mudado se a malvadez e perfídia de certos seres humanos não tivessem adquiridos novas actualizações.

Concluo apenas que o 11 de Setembro nem deve ser desprezado nem, ao invés, sobrevalorizado. Devemos ter a sensatez de perceber que apenas é admissível a justa medida face ao que se passou há cinco anos. Quanto mais se relativizar, maior será o choque com novos trágicos episódios que venham a ocorrer no futuro. Quanto mais se sobredimensionar o que se passou, mais argumentos serão entregues de mão beijada a todos aqueles que se servem do poder para combater de forma cega e absurda o terrorismo.

Por isso, quando lhe disserem que o mundo mudou com o 11 de Setembro, pense duas vezes antes de interiorizar essa frase-feita. O cliché soa bem, mas verdade de fundo pouco contém. Não caia na ratoeira, porque temo que uma mentira, pregada muitas vezes, se possa tornar uma verdade.
 
Lavrado por diesnox at segunda-feira, setembro 11, 2006 | Permalink |


7 Comments:


At 6:11 da tarde, Blogger Sara

Onde é que que já vi esta imagem? :P
De certeza que o 11 de Setembro mudou o mundo. Tanto legislativamente, como em questões de segurança, construção de edifícios, luta contra o terrorismo, etc... Mas sobretudo psicologicamente. Não morrem quase 3000 pessoas num raio de tão poucos quilómetros (WTC) numa das maiores potências do mundo sem que isso tenha qualquer impacto. Poucas serão as pessoas que não se lembram onde estavam quando o ataque ocorreu...

 

At 6:15 da tarde, Blogger Ice-device

11 de setembro é "overrated" pelos media. Mudou o mundo porque toda a gente viu.

Morreram 3000 pessoas.

No Ruanda em 1994 morreram 800 mil. isso sim devia ter mudado o mundo.

 

At 8:33 da tarde, Anonymous Anónimo

Mas há dúvidas que visualmente/mediaticamente duas torres (ainda por cima gémeas!!!) atingidas por boeings (será que eram boeings, hein???)são muito mais importantes que um bando de desgraçadinhos no Ruanda? estamos a falar nos United States of America, my friends, onde não é suposto não existir atentados... isso é coisas de países sub-desenvolvidos lá da África e do Middle east.

Não ia ser fenomenal se tudo isso fosse uma verdadeira charada, como a da viagem à lua e da guerra do Iraque???

 

At 4:35 da tarde, Blogger diesnox

Cara mosqueteira, perguntar sobre onde qualquer um de nós se encontrava no dia 11 de Setembro de 2001, é também um «cliché» fabricado pelos «media» e por certa opinião publicada. É o mesmo que perguntar aos nossos pais onde estavam no 25 de Abril de 1974.


Damos a importância que queremos aos acontecimentos... Mas antes de qualquer valoração pessoal, é preciso compreender um pouco o que se passou. E a esse respeito, só ouço barbaridades... à cabeça, a frase-feita dita de forma inconsequente de que o mundo mudou... POuco, muito pouco...

Continuo a pensar que o 11/9 pouco mudou o mundo. De resto, continua a haver 2 milhões que morrem por ano vítimas de malária - e nessse aspecto louco Bill Gates, por uma vcez mais estar à frente do tempo, ao doar muitos milhóes para ver se se acaba com o flagelo -, ou, como hoje vem a público, que milhões de crianças não frequentar a escola, e que portanto jamais vão poder ter acesso a um futuro com esperança.

 

At 6:28 da tarde, Anonymous Anónimo

OOhhhh Diesnox, pá... onde é que tu estavas no 25 de Abril?

 

At 4:14 da tarde, Blogger Sara

O 9/11 marcou porque aconteceu onde ninguém esperaria que acontecesse e foi visto em directo em todo o mundo. Porque toda a gente sabe que é "normal" haverem genocídios nas partes mais recônditas do planeta, mas não nos Estados Unidos da América. Marcou porque ninguém pensou que tais atentados tivessem consequências tão graves. E se eles próprios não conseguem dominar sistemas de segurança, como é que o resto das nações o vão fazer? A histeria colectiva veio logo ao de cima nos dias seguintes ao atentado.
E mesmo tendo sido há 5 anos atrás (quando às xx nem me lembro do que fiz ontem...), ainda me lembro das palavras do Paulo Camacho quando o avião embateu na segunda torre, lembro-me perfeitamente do que eu disse e ainda me continuo a arrepiar quando vejo essas imagens que na altura assisti em directo. O 11 de Setembro não foi empolado. Foi real.

 

At 5:48 da tarde, Blogger Ice-device

Sim. Foi real. Mas faz-nos pensar quanto vale uma vida americana e quanto vale uma vida em África. Para mim valem o mesmo. Eu penso que a mediatização é que fez o resto. Uma coisa é sabermos que aconteceu. Outra coisa é ver acontecer. Psicologicamente o impacto é diferente. Na prática foi esse efeito que prevaleceu. Tenho a certeza que se não houvesse ninguém a filmar a queda dos aviões, o 11 de setembro de 2001 seria apenas uma memória vaga no colectivo mundial.

quanto aos sistemas de segurança, acho que é impossível controlar tudo. simplesmente. E além disso, os americanos não são os melhores nesses procedimentos. Japão,Israel ou Suiça, por exemplo são mais rigorosos.