segunda-feira, abril 06, 2009
Neste pedaço de papel com os dias contados
Gosto de gravar frases insignificantes ou enunciados mágicos, contas de cabeça ou cálculos rebuscados, nas margens de jornais, despidos ou recém-comprados. Em qualquer canto, agrada-me, realmente, reproduzir uma ideia, refutar um equívoco, esboçar um desabafo inconsequente. No fundo, é como se essas folhas de papel, amarradas às notícias do mundo, servissem de ardosa para gizar uma parte dos meus sonhos e purificar fios de memórias. E nas margens das manchetes, sensacionalistas ou monótonas, e também no corpo entre títulos gastos, que fico, meros minutos, horas a fio, a embrulhar momentos, num ritual próximo das varinas com o peixe vendido nas praças. É no mais reduzido espaço que, entre anúncios estranhos, corpos eróticos e retratos pálidos ou coloridos, eu pretendesse contrariar a descoberta com o outro. Confesso que escrever por cima de reportagens se revela ainda um feito curioso e um feixe catártico, sinal de uma luz tão intensa, a raiar o simbolismo de um mosaico de metáforas envergonhadas, quase tão próximo da pureza sagrada de um beijo roubado. E não fosse verdade aquilo que acabo de expressar, sentir e querer, com as mãos sujas das folhas de matutino, estaria a defraudar a minha própria necessidade. Nas páginas deste jornal, sem cheiro a sardinhas de olhos vivos nem fanecas frescas, posso ler: Nun`Álvares Pereira (a letras encarnadas) O Galahad português (em lettering preto), páginas 4 e 5 do P2, Suplemento do Público, num Domingo de Ramos, 2009, algures entre o mar, monstros marinhos e sereias perdidas.
 
Lavrado por diesnox at segunda-feira, abril 06, 2009 | Permalink |


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