Eu sei que não sou um homo sapiens exemplar, muito longe disso. Sei que me esqueço frequentemente dos meus antepassados e de todos os entes que conheci os passos queridos e o rosto doce, ou quase nada, até dos vizinhos, e mais velhos, e com eles vivi a primeira fase do desenvolvimento físico e da formação da personalidade, a infância. Li uma notícia no “Expresso” (n.º 2035) e fiquei incrédulo pela dimensão estatística: mais de metade dos restos mortais em sepulturas temporárias nos cemitérios de Lisboa são abandonados pelos familiares. Nem sequer reclamam os restos mortais. Não estou a fazer um julgamento social, estou apenas a tentar compreender a veia freudiana do homem para o esquecimento inconsequente e para a indiferença propositada. Aquela máxima do carpe diem tem o seu lado ontológico cruel: concentrados que ficamos diante do agora, erguemos a vida com muros silenciosos do passado (ou temor do futuro) e das origens mais primárias, as biológicas.
Bem sei que por causa da religião e da mentalidade cultural, as pessoas vivem no Norte, a homenagem à morte como um ritual necessário e regenerador (e sempre doloroso nos Dias de Todos os Santos). Seguir porventura em frente é uma escolha, como se a morte fosse a curva trágica que devemos fintar. “Viver a correr” não justifica “morrer de vez” para aqueles que já não têm necessidades fisiológicas e batimentos cardíacos.
Imaginemos que todos os livros que temos em casa, em especial as obras que já não sabemos sequer onde se encontram e mesmo assim, insistiamos em ignorá-las. Melhor: devíamos gravar-lhes o seu derradeiro encontro com a inutilidade e o total abandono, porque já conhecemos todas as letras e todas as manhas e todas personagens, capítulo a capítulo. Livros e antepassados é uma comparação injusta, é. Mas os maços de linguagem e as histórias do mundo ainda existem entre as nossas vidas: queremos o mesmo para os ossos e as memórias daqueles que nos seguraram ao colo e um dia tiveram de cumprir com o ciclo natural? Vita brevis!
Até os criminosos merecem um julgamento sério e imparcial. Aquele que premiu o gatilho sobre a cabeça e/ou o ventre de Kadhafi fez mais o fácil, mas deixou que se fizesse o mais importante: justiça. Se a nova Líbia nasce das execuções sumárias e dos linchamentos populares, o que aí virá será um faroeste de balas perdidas e acertos de contas. E muitos inocentes irão pagar com a própria vida, antes sequer de respirarem o ar puro de uma democracia livre. Ver para crer.
Os regimes podem acabar como sempre começaram: com sangue. Muitos tiranos morrem como sempre viveram: fixados na própria loucura, distantes de um tempo que nunca compreenderam e auto-convencidos de que são os heróis eternos e intocáveis. Um dia descobrem que a mortalidade não é um lugar ausente, mas uma porta para todos. Muammar Kadhafi, um excêntrico como todos os ditadores, é capturado e abatido como as ratazanas nojentas que se escondem entre tocas. Kadhafi, que acusara os opositores de estarem a destruir a sua Líbia e o seu poder já em estado de podridão, junta-se a partir de hoje, ao filet mignon da História negra (Ceausescu, Saddam Hussein, Mussolini, Hitler, Mao Tsé-Tung, Pol-Pot, Milosevic, Franco,…). E, no fim, há sempre uma imagem dos primeiros momentos em que os povos se vêem livres dos ditadores transformados em corpos mortais em estado de decomposição. Dia 20 de Outubro de 2011, mais do que o homem que governou a Líbia como se fosse uma tenda durante 42 anos, apaga-se um símbolo desprezível.
Há a chuva de estrelas e agora existe a chuva de satélites. Um satélite de raios X alemão está em rota de colisão com a Terra. Previsão "satelitológica" do Centro Aeoroespacial Alemão: deverá cair no próximo fim-de-semana, em qualquer parte do Planeta. O ROSAT, que é do tamanho de um automóvel, foi lançado em 1990 e pesa cerca de duas toneladas. É muita massa em queda.
Etiquetas: Manifestações, Mundo, Portugal
Etiquetas: BlackBerry
Etiquetas: Bielorrússia, Pena de morte
Etiquetas: Classe Média, Dívida, Europa, Grécia
Etiquetas: fish and chips, jamie oliver
Etiquetas: Lugar
Etiquetas: Ciência, Prémio Nobel da Física, Supernovas, Universo